Por que quem mandou matar Marielle não responde pelo crime?
Oito
de dezembro de 2020, 1.000 dias sem resposta. Por quê?
A gente não precisava conhecer pessoalmente Marielle para saber que ela nos conhecia e se reconhecia em nós. A sua trajetória político-poÉtica foi
marcada por um corpo-memória inquieto, ético, estético e politicamente insubmisso.
Ela se movia e movia as estruturas racistas e, consequentemente, abalava as
demais estruturas mortíferas. Isso nos aproximou e continua nos aproximando, de
Norte a Sul. Os disparos que lhes tiraram a vida, não fizeram morrer em nós, os sonhos,
as lutas e a alegria de quem viveu intensamente e lutou incansavelmente por uma
sociedade decente.
No
início de 2020, recebo uma grande amiga, irmã, mulher negra, intelectual combativa,
que mora no Rio de Janeiro e em sua primeira estadia em Belém, para uma
agenda acadêmica e uns rolês pela cidade, me fala de Marielle e das circunstâncias em
que a conheceu, do convívio com a força Marielle e da despedida no emblemático 14 de março de 2018; escuto
atenta e num misto de tristeza e alegria, por estar diante da memória tão viva de
Marielle, tento acompanhar o caminhar de Marielle, sua alegria, sua coroa ostentada
na cabeça, sua existência altiva e ativa. Aquele relato, virou memória, foto,
grafias, e há algum tempo eu ensaiava um ensaio em memória de Marielle.
Me fez reviver também o golpe político do
final do segundo turno das eleições presidenciais de outubro de 2018, quando foi
anunciado o resultado, “presidente eleito”. Com os olhos arregalados e incrédula, ainda, não senti vontade de chorar, sentimento um tanto comum naquele momento
para os do lado de cá. Senti sim, uma vontade imensa de encarar a morte de
frente e dizer: você está de diante de uma Marielle! Senhor presidente eleito: aqui
mora uma Marielle Franco!
Saber
dela por meio de uma das nossas, foi mais um movimento que nos aproximou, à
todas. Marielle continua sendo uma árvore frondosa espalhada por muitos cantos
e canteiros, e eles não sabiam disso; sabiam sim que tinham que eliminá-la, mas
não sabem que ancestralidade não se mata, e ter que se deparar com essa verdade, os faz ficar diante de seu próprio ódio. Eles seguem nos seus projetos de eliminação da
alegria, da rebeldia, ousadia, teimosia, poesia, das vidas negras e dos sorrisos negros. Senhores da tirania, da valentia
covarde, da força impotente, e do cinismo recorrente.
Mil
dias sem Marielle presente, sem presente Marielle. Presente! A presença-memória de
Marielle em nós, os irrita, assim como a ausência do corpo físico de Marielle, provoca-lhes uma alegria mórbida.
A alegria revolucionária é coisa de girassol! Eles queriam a cabeça de Marielle, mas não tiveram, porque a cabeça de um girassol é movimento, e segue movendo os corpos-memórias imortais. Não por acaso, o girassol é o símbolo da imortalidade.
O
canto de Lazzo Matumbi e Jorge Portugal, nos ajuda a resistir ao 14 de março de
2018, assim como ao desumano 14 de maio de 1888.
14 de maio[1]
Ana Silva
Poeta-Psicóloga
@ana_esquizo