quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Plantando sonhos e colhendo pimenta e sal












Nesses dois últimos anos, quase ninguém sabe, mas eu perdi...
Perdi dois grandes amigos, amigos de sentar junto debaixo de uma árvore qualquer, apenas pelo prazer do encontro, da comida simples, da bebida e das lembranças e andanças... Nádia e Testa, presente!
Nesses dois últimos anos, quase ninguém sabe, mas eu reinventei apostas acadêmicas quando o fluxo do desejo pessoal e institucional já não mais fluía. Me dobrei novamente, pois a dobra está sempre na espreita. Ah, uma vida sem dobra é uma vida precária! Confesso que estou virando quase uma surfista na arte de manejar dobras, e também operá-las em mim.
Morei na Paulicéia, por uma curta temporada. Mas o suficiente para concordar totalmente com Marilena Chauí e suas análises certeiras àqueles que estão no mundo e perderam a viagem. Me refugiei em um “bairro nobre” e, em várias situações, vi de perto a chamada “aberração cognitiva” que Chauí certeiramente afirmou. “Eles” chegam a ser pitorescos, isso só para manter o tom poético desse testemunho. 
Também perfurei muros de bonitezas que valeu muito a minha estadia na cidade buquê, cantada por Criolo. Caminhei por ruas pouco conhecidas por aqueles que por lá habitam, me lancei na cidade que dormi, que brilha, que cala e que fala; dancei carimbó daqueles que o Mestre Verequete dizia: tá bonito, mas... Assim, fui produzindo muitos buquês de flores vivas em um lindo arranjo, anjo. Acho que eu até tinha um anjo em “essepê” que me acompanhava no que há de mais pululante nas vielas da cidade grande, ou no grande cenário.
Nesses dois últimos anos eu perdi um aparelho celular. Sim, pela primeira vez perdi um aparelho celular desde que essa tecnologia surgiu. Então, não é uma coisa banal que não possa ser mencionada aqui nessa crônica, nessa Anacrônica. E agora que eu comecei a confissão, vou contar a versão original.
Na realidade “deram a Elza” no meu aparelho celular, sim, deram a Elza. Como a crônica é minha e ela não foi escrita para fazer parte das “grandes” produções literárias ou coisa parecida, eu posso mencionar a expressão acima sem nenhum puDor. O fato é que isso ocorreu exatamente no show da Elza Soares. Isso mesmo! Fui furtada justamente no show da Mulher do Fim do Mundo, na virada cultural de SP. Foi uma senhora virada! Me deram a Elza e eu ganhei a Elza (Soares).
Ou melhor, me deram a Elza duas vezes. Me deram a Elza e me presentearam com a Elza. E quando eu me perguntei: “cadê meu celular eu vou ligar 180?”. Nada!
Nesses últimos dois anos, perdi batalhas importantes no e com o coletivo. Batalhas que foram verdadeiras navalhas na carne, mas o que nem de longe nos fará temer. Temer está Fora de cogitação! “A vocês, eu deixo o sono. O sonho, não! Esse, eu mesmo carrego” (Paulo Leminski).
Em Belém tive o carro arrombado duas vezes, e a casa (nova) uma vez, tudo isso no mesmo ano que o Brasil foi golpeado e continua sendo saqueado.
Nesses dois últimos anos eu também ganhei um corpo sem órgãos. Ter um corpo sem órgãos no momento atual, e utilizando uma linguagem mais performática, é muita ostentação, lacração, é tombamento, é close certo, dentre outras ativações da vida. E estou testando cada vez mais os limites do que pode um corpo desorganizado, produtivo, ativo e criativo. Um corpo político, e político no sentido mais excitante que possa existir e que comporte toda e qualquer ação ou posição do sujeito no mundo, na relação com o outro, na vida, numa vida que não aceita ser precária de existência, muito menos de humor! Também passei a usar a bicicleta como meio de transporte com muito mais intensidade e no cotidiano da vida, e não somente para pedais de final de semana.
Nesses dois últimos anos eu fui parida de novo, parida por várias mães, ganhei mães da mata. Fui adotada pelas parteiras da cidade de Bujarú-PA, porque eu não ando só! Nossas parteiras guias.
Foram anos de malabarismos, literalmente, pois me permiti viver a lona, os malabares, o tatames e outras peraltices mais. Teve marmelada sim senhora! Teve cafere e bolacha. Evoé!
Em 2016 eu concretizei o que o meu imaginário nunca me deixou esquecer, nem tão pouco esmorecer. Concretizei o que não tem limites. Os sonhos!
E daqui pra frente eu só quero o silêncio das línguas cansadas...
Eu quero a esperança de óculos...
Afinal, ergui uma casa do tamanho ideal, onde vou poder plantar meus amigos, meus livros, meus discos e nada mais...

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