Nesses
dois últimos anos, quase ninguém sabe, mas eu perdi...
Perdi
dois grandes amigos, amigos de sentar junto debaixo de uma árvore qualquer,
apenas pelo prazer do encontro, da comida simples, da bebida e das lembranças e
andanças... Nádia e Testa, presente!
Nesses
dois últimos anos, quase ninguém sabe, mas eu reinventei apostas acadêmicas quando
o fluxo do desejo pessoal e institucional já não mais fluía. Me dobrei novamente,
pois a dobra está sempre na espreita. Ah, uma vida sem dobra é uma vida
precária! Confesso que estou virando quase uma surfista na arte de manejar
dobras, e também operá-las em mim.
Morei
na Paulicéia, por uma curta temporada. Mas o suficiente para concordar
totalmente com Marilena Chauí e suas análises certeiras àqueles que estão no
mundo e perderam a viagem. Me refugiei em um “bairro nobre” e, em várias
situações, vi de perto a chamada “aberração cognitiva” que Chauí certeiramente afirmou. “Eles” chegam a ser pitorescos, isso só para
manter o tom poético desse testemunho.
Também
perfurei muros de bonitezas que valeu muito a minha estadia na cidade buquê,
cantada por Criolo. Caminhei por ruas pouco conhecidas por aqueles que por lá
habitam, me lancei na cidade que dormi, que brilha, que cala e que fala; dancei
carimbó daqueles que o Mestre Verequete dizia: tá bonito, mas... Assim, fui produzindo muitos buquês de flores
vivas em um lindo arranjo, anjo. Acho que eu até tinha um anjo em “essepê” que
me acompanhava no que há de mais pululante nas vielas da cidade grande, ou no
grande cenário.
Nesses dois últimos anos eu perdi um aparelho celular. Sim, pela primeira vez perdi um aparelho celular
desde que essa tecnologia surgiu. Então, não é uma coisa banal que não possa
ser mencionada aqui nessa crônica, nessa Anacrônica. E agora que eu comecei a confissão,
vou contar a versão original.
Na
realidade “deram a Elza” no meu aparelho celular, sim, deram a Elza. Como a
crônica é minha e ela não foi escrita para fazer parte das “grandes” produções
literárias ou coisa parecida, eu posso mencionar a expressão acima sem nenhum
puDor. O fato é que isso ocorreu exatamente no show da Elza Soares. Isso mesmo!
Fui furtada justamente no show da Mulher do Fim do Mundo, na virada cultural de
SP. Foi uma senhora virada! Me deram a Elza e eu ganhei a Elza (Soares).
Ou
melhor, me deram a Elza duas vezes. Me deram a Elza e me presentearam com a
Elza. E quando eu me perguntei: “cadê meu
celular eu vou ligar 180?”. Nada!
Nesses
últimos dois anos, perdi batalhas importantes no e com o coletivo. Batalhas que
foram verdadeiras navalhas na carne, mas o que nem de longe nos fará temer.
Temer está Fora de cogitação! “A vocês, eu deixo o sono. O sonho, não! Esse, eu
mesmo carrego” (Paulo Leminski).
Em Belém tive o carro arrombado duas vezes, e a casa (nova)
uma vez, tudo isso no mesmo ano que o Brasil foi golpeado e continua sendo saqueado.
Nesses
dois últimos anos eu também ganhei um corpo sem órgãos. Ter um corpo sem órgãos
no momento atual, e utilizando uma linguagem mais performática, é muita
ostentação, lacração, é tombamento, é close certo, dentre outras ativações da
vida. E estou testando cada vez mais os limites do que pode um corpo
desorganizado, produtivo, ativo e criativo. Um corpo político, e político no
sentido mais excitante que possa existir e que comporte toda e qualquer ação ou
posição do sujeito no mundo, na relação com o outro, na vida, numa vida que não
aceita ser precária de existência, muito menos de humor! Também passei a usar a bicicleta como meio de transporte com muito mais intensidade e no cotidiano
da vida, e não somente para pedais de final de semana.
Nesses
dois últimos anos eu fui parida de novo, parida por várias mães, ganhei mães da mata. Fui adotada pelas parteiras da cidade de Bujarú-PA, porque eu não
ando só! Nossas parteiras guias.
Foram
anos de malabarismos, literalmente, pois me permiti viver a lona, os malabares,
o tatames e outras peraltices mais. Teve marmelada sim senhora! Teve cafere e
bolacha. Evoé!
Em 2016 eu concretizei o que o meu imaginário nunca me deixou esquecer, nem tão pouco esmorecer. Concretizei o que não tem limites. Os sonhos!
Em 2016 eu concretizei o que o meu imaginário nunca me deixou esquecer, nem tão pouco esmorecer. Concretizei o que não tem limites. Os sonhos!
E
daqui pra frente eu só quero o silêncio
das línguas cansadas...
Eu quero a esperança de óculos...
Afinal,
ergui uma casa do tamanho ideal, onde vou poder plantar meus amigos, meus
livros, meus discos e nada mais...