terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A política de ódio direcionada à alegria revolucionária de Marielle Franco

            Por que quem mandou matar Marielle não responde pelo crime?

Oito de dezembro de 2020, 1.000 dias sem resposta. Por quê?

A gente não precisava conhecer pessoalmente Marielle para saber que ela nos conhecia e se reconhecia em nós. A sua trajetória político-poÉtica foi marcada por um corpo-memória inquieto, ético, estético e politicamente insubmisso. Ela se movia e movia as estruturas racistas e, consequentemente, abalava as demais estruturas mortíferas. Isso nos aproximou e continua nos aproximando, de Norte a Sul. Os disparos que lhes tiraram a vida, não fizeram morrer em nós, os sonhos, as lutas e a alegria de quem viveu intensamente e lutou incansavelmente por uma sociedade decente.

No início de 2020, recebo uma grande amiga, irmã, mulher negra, intelectual combativa, que mora no Rio de Janeiro e em sua primeira estadia em Belém, para uma agenda acadêmica e uns rolês pela cidade,  me fala de Marielle e das circunstâncias em que a conheceu, do convívio com a força Marielle e da despedida no emblemático 14 de março de 2018; escuto atenta e num misto de tristeza e alegria, por estar diante da memória tão viva de Marielle, tento acompanhar o caminhar de Marielle, sua alegria, sua coroa ostentada na cabeça, sua existência altiva e ativa. Aquele relato, virou memória, foto, grafias, e há algum tempo eu ensaiava um ensaio em memória de Marielle.

 Me fez reviver também o golpe político do final do segundo turno das eleições presidenciais de outubro de 2018, quando foi anunciado o resultado, “presidente eleito”. Com os olhos arregalados e incrédula, ainda, não senti vontade de chorar, sentimento um tanto comum naquele momento para os do lado de cá. Senti sim, uma vontade imensa de encarar a morte de frente e dizer: você está de diante de uma Marielle! Senhor presidente eleito: aqui mora uma Marielle Franco!

Saber dela por meio de uma das nossas, foi mais um movimento que nos aproximou, à todas. Marielle continua sendo uma árvore frondosa espalhada por muitos cantos e canteiros, e eles não sabiam disso; sabiam sim que tinham que eliminá-la, mas não sabem que ancestralidade não se mata, e ter que se deparar com essa verdade, os faz ficar diante de seu próprio ódio. Eles seguem nos seus projetos de eliminação da alegria, da rebeldia, ousadia, teimosia, poesia, das vidas negras e dos sorrisos negros. Senhores da tirania, da valentia covarde, da força impotente, e do cinismo recorrente.  

Mil dias sem Marielle presente, sem presente Marielle. Presente! A presença-memória de Marielle em nós, os irrita,  assim como a ausência do corpo físico de Marielle, provoca-lhes uma alegria mórbida.

A alegria revolucionária é coisa de girassol! Eles queriam a cabeça de Marielle, mas não tiveram, porque a cabeça de um girassol é movimento, e segue movendo os corpos-memórias imortais. Não por acaso, o girassol é o símbolo da imortalidade.

O canto de Lazzo Matumbi e Jorge Portugal, nos ajuda a resistir ao 14 de março de 2018, assim como ao desumano 14 de maio de 1888.

                14 de maio[1]

No dia 14 de maio, eu saí por aí
Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir
Levando a senzala na alma, eu subi a favela
Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci
⠀⠀
Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia
Um dia com fome, no outro sem o que comer
Sem nome, sem identidade, sem fotografia
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver
⠀⠀
No dia 14 de maio, ninguém me deu bola
Eu tive que ser bom de bola pra sobreviver
Nenhuma lição, não havia lugar na escola
Pensaram que poderiam me fazer perder
⠀⠀
Mas minha alma resiste, meu corpo é de luta
Eu sei o que é bom, e o que é bom também deve ser meu
A coisa mais certa tem que ser a coisa mais justa
Eu sou o que sou, pois agora eu sei quem sou eu
⠀⠀
Será que deu pra entender a mensagem?
Se ligue no Ilê Aiyê
Se ligue no Ilê Aiyê
Agora que você me vê
⠀⠀
Repare como é belo
Êh, nosso povo lindo
Repare que é o maior prazer
Bom pra mim, bom pra você
Estou de olho aberto
Olha moço, fique esperto
Que eu não sou menino

 

Ana Silva

Poeta-Psicóloga

@ana_esquizo

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